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Mulheres na TI: um mercado em expansão

26/10/2023
Mulheres na TI: um mercado em expansão

O caminho de algumas mulheres até suas profissões dentro do ramo de Tecnologia da Informação (TI) geralmente percorre mais curvas e esquinas do que costuma acontecer aos homens. Conforme Maria Claudete Schorr* (51), professora da Universidade do Vale do Taquari (Univates), este mercado, cada vez mais em ascensão, carrega consigo um forte histórico cultural, que leva as meninas a procurarem outras opções antes de chegarem à TI. Mesmo assim, quando elas finalmente chegam, se empoderam e conquistam muitos espaços.

Para Camila Sbrussi (30), Analista de Suporte ao Cliente da Interact, a busca por uma profissão que lhe trouxesse satisfação passou por outras duas áreas antes de se matricular na graduação em Engenharia de Software. “Demorou um pouco até eu descobrir que a área de tecnologia era onde eu iria me encontrar. Depois de dois cursos, um técnico em Alimentos e outro técnico em Administração, percebi que eu, na verdade, tinha outra vocação”, relembra.

Da mesma empresa, a história da Analista de Qualidade do Produto da Interact, Natállia Maria Petry (28), se repete. “Antes de entrar na área de TI eu já era graduada em Licenciatura em Letras – Língua Espanhola, mas me encontrava sem grandes perspectivas. Quando decidi que o melhor seria buscar formação em outra profissão, a TI foi a que mais me chamou atenção pela grandiosidade do mercado de trabalho”, revela. Foi somente ao longo de seu curso Técnico em Informática que a profissional conheceu mais sobre programação e decidiu, então, que havia encontrado a sua área de atuação.

Mercado feminino em ascensão

Maria Claudete Schorr é professora na área de TI na Universidade do Vale do Taquari

De acordo com levantamento feito pela Univates sobre a presença de mulheres nos cursos de TI, nota-se um crescimento tímido – mas constante – da procura feminina por cursos de graduação como Análise e Desenvolvimento de Sistemas (EAD), Engenharia da Computação, Engenharia de Software, Gestão de Tecnologia da Informação (EAD) e Redes de Computadores. Em 2015, o gênero feminino representava 6,27% dos alunos e, em 2021, esse percentual subiu para 10,04%.

Sob a perspectiva da professora Maria Claudete, a baixa procura das mulheres por cursos de TI pode estar relacionada a fatores culturais sobre como se incentiva crianças e adolescentes quanto aos seus gostos e interesses, ainda muito divididos por gênero durante a infância. “Enquanto ainda se estimula os meninos a utilizarem e conhecerem a tecnologia mais a fundo, as meninas continuam mais direcionadas a outros interesses, como moda, arquitetura, fotografia, questões ambientais, sociais, entre outros”, explana.

 

 

 

 

 

Mulheres no início da TI no Brasil

Mesmo hoje a realidade sendo de mulheres como minoria na área, o histórico da presença feminina no mundo da Tecnologia da Informação pode surpreender os desavisados. Quem pensa que a programação de softwares sempre foi um ramo predominantemente masculino, se impressionaria com uma rápida pesquisa aos registros das primeiras turmas brasileiras de bacharelado em Ciências da Computação. Um dos exemplos é do Instituto de Matemática e Estatística de São Paulo, cuja primeira turma do curso, de 1974, era composta por nada menos do que 70% de mulheres.

No decorrer dos anos, a alta procura feminina pela área da tecnologia caiu tão logo surgiram os computadores pessoais. Isso porque até então, as (enormes) máquinas estudadas, manipuladas e projetadas pelas mulheres tinham suas funções relacionadas ao cargo de secretária, já que “apenas” calculavam e organizavam dados e documentos.

De acordo com uma matéria de 2018 do Jornal da USP, os computadores lançados pela Apple e IBM para venda em massa deixaram de ser máquinas unicamente de trabalho e passaram a ser mais uma fonte de entretenimento. Os jogos eletrônicos – uma atividade considerada, na época, um passa-tempo quase que exclusivo para homens e meninos – voltaram o interesse masculino pela área, que acabou dominada por eles.

Confirmando essa lógica, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelou que dos mais de 580 mil profissionais de TI que atuam no Brasil, apenas 20% são mulheres. Segundo o levantamento, feito em 2020, os baixos índices femininos se repetem em todo o mundo.

 

Reconquista do espaço

Apesar da queda abrupta da presença de mulheres na ciência da computação, este índice aos poucos vem se revertendo. Um exemplo dessa grande vocação feminina para as áreas relacionadas à TI está na Interact Solutions, empresa desenvolvedora da Suite SA Strategic Adviser, um software com soluções integradas para gestão corporativa. Localizada em Lajeado, no interior do Rio Grande do Sul, a empresa tem 36% de mulheres em seu time de colaboradores. Já nas áreas de liderança, os cargos de coordenadores, supervisores e gerentes são 80% ocupados por mulheres.

Para Maria Claudete, o dado expressivo denota a grande capacidade das mulheres em não só estarem à frente, mas também de liderarem projetos na área de TI. “Elas possuem competências em todas as áreas e isso pode justificar o aumento da inserção de mulheres na gestão de muitas empresas, sejam elas da TI ou não”, pontua.

Na opinião da professora, o gênero jamais determina capacidade ou habilidade de desempenhar algum papel. “Cargos como desenvolvedora, analista, testadora, gerente de projetos e arquiteta de software, por exemplo, estão disponíveis no mercado de trabalho e em grandes quantidades, demonstrando que estudantes da TI tem oportunidades e vantagens pelas inúmeras ofertas”, diz.

Cada vez mais sob demanda, as empresas desenvolvedoras de tecnologias aumentaram exponencialmente o número de contratações em 2020. Conforme levantamento da Catho, somente em São Paulo o setor de tecnologia registrou crescimento de 671% nas vagas relacionadas ao setor. “Existe demanda de empregabilidade, mas falta de pessoal, seja ele masculino ou feminino”, analisa Maria Claudete.

 

Formação e oportunidades à porta

Quando Natállia decidiu que a TI seria sua nova área de trabalho, pesquisou os cursos disponíveis na região onde mora e se impressionou com a quantidade de graduações existentes no ramo. “Eu não sabia exatamente para qual lado ir e achei as graduações muito longas. Desejava algo que não tomasse tanto tempo. Por isso, fui atrás de cursos mais breves da Univates e acabei iniciando o Técnico em Informática”, conta.

Natállia Maria Petry é graduada em Letras e hoje atua como da Analista de Qualidade do Produto da Interact

 

Para ela, a experiência de entrar no curso de TI foi chocante. “Eu estava acostumada com um certo equilíbrio na quantidade de homens e mulheres no meu curso anterior”, afirma. Em grande parte das aulas, era a única mulher em uma sala com 20 alunos.

Hoje há 3 anos e meio atuando na área, Natállia relembra de ter ouvido de um colega que não duraria um mês no curso. “Por esse tipo de comentário, inicialmente tive um certo medo de como seria a minha inserção no mercado de trabalho mas, felizmente, enquanto ainda estava no curso tive a oportunidade de ingressar no mercado sem maiores dificuldades. Em nenhum momento no processo seletivo tive o sentimento de que ser mulher poderia estar sendo uma desvantagem para a minha seleção, muito possivelmente pelo fato de que as três pessoas que me entrevistaram também eram mulheres”, declara.

 

Mulheres em busca de soluções

“Eu sempre fui meio metida. Via qualquer problema na minha frente e estava ali pesquisando até achar uma solução. Com isso, muitas pessoas na empresa em que eu trabalhava me chamavam quando se deparavam com qualquer problema no computador”, relembra Camila.

O talento nato para lidar com a tecnologia levou sua colega da antiga empresa a fazer uma provocação: “Por que você não estuda “essas coisas” de computador? Você gosta disso”, conta. “Acredito que essa foi uma das perguntas que mudaram minha vida.”

Já no primeiro semestre de Engenharia de Software Camila conquistou um emprego na área como assistente de suporte. “Essa é uma grande vantagem em estudar nessa área. Com o mercado em crescimento, a TI sempre tem vagas disponíveis. E poder ingressar logo na área de estudo nos deixa cara a cara com a realidade profissional e assim logo podemos decidir se estamos no caminho certo”, indica.

Coincidentemente no mês de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, Camila comemora 4 anos de atuação na empresa onde trabalha, a Interact. “Entrei como assistente e hoje sou analista. Iniciei o desenvolvimento de ferramentas para apoio do suporte, e assim estou evoluindo cada dia mais meu conhecimento na área de desenvolvimento”, festeja.

 

Dica de profissional

Na opinião de Natállia, para entrar no mercado da TI é necessário focar-se completamente na evolução pessoal na área. “Tem que acreditar no seu potencial para conquistar seu espaço, sem dar importância a comentários que possam surgir. As mulheres tem muito a agregar na área de TI”, afirma.

Já para sua colega de empresa, Camila, toda a menina ou mulher que deseja formar carreira na Tecnologia da Informação pode começar lendo o livro “Corajosa sim, perfeita não!”, da advogada Reshma Suajani. A autora é fundadora da organização não governamental Girls Who Code, que atua na inserção de mais meninas nas carreiras de tecnologia. “No livro, ela relata como percebeu a baixa busca por mulheres nos setores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática e relaciona isso ao fato de muitas mulheres se limitarem apenas as coisas que fazem muito bem e ao não perceberem o grande potencial que cada uma possui”, resume.

Em seu livro, Reshma fala: “Programação é um interminável processo de tentativa e erro, em que às vezes um mero ponto e vírgula faz toda a diferença entre o sucesso e o fracasso. Programas dão pane, e às vezes exigem inúmeras tentativas antes de se alcançar aquele momento mágico em que aquilo que se está tentando criar ganha vida. Para chegar lá é preciso ter perseverança e aceitar a imperfeição.”

E Camila continua:

“A dica é: permitam-se ser imperfeitas! Percebam que fomos criadas pra não errar, sentar-se corretamente, andar na linha e, para atender a isso, seguimos pelo caminho que temos certeza que não vamos falhar em nenhum momento. Eu acredito que acima de tudo temos que lembrar que somos humanas e erramos. Se arrisquem em áreas que te trazem incertezas mesmo que te digam que não vai dar certo, que não é para você. Se você gosta, se você sente que é isso que vai fazer você se sentir feliz, permita-se conhecer mais sobre outras profissões que te tiram da zona de conforto. Fuja do padrão, seja corajosa!”

*Maria Claudete Schorr é professora na Universidade do Vale do Taquari (Univates). Tem formação em Licenciatura em Computação pela UNISC, especialização em Tecnologias na Educação pela PUC-Rio, Mestrado em Ensino de Ciências Exatas pela UNIVATES e Doutorado em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

 

 

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